Dia desses uma amiga postou no Facebook a foto de um
cálice romano com cena de homossexualismo masculino. Um homem deitado (de
costas) sobre outro, na tradicional representação do sexo entre homens, isto é,
sem penetração, sexo intercrural (nas coxas).
Logo abaixo da ilustração do cálice, um texto
comentando a naturalidade com que a homossexualidade masculina era encarada em
Roma e como era condenado o sexo entre mulheres.
Respondi que não era bem assim. O homossexualismo masculino
na Roma Antiga não era condenável, mas visto com desconfiança. “Um costume
grego”, diziam os romanos. Júlio César, por exemplo, foi alvo de gozação a vida
inteira devido ao seu relacionamento com o rei da Bitinia, quando jovem. César
era um conquistador de mulheres contumaz – os historiadores romanos enumeram as esposas de senadores, generais, pretores, etc. com as quais ele
transou – e nem assim seus detratores o livraram de piadas.
Já Alexandre Magno, que manteve um relacionamento
constante com Heféstion – além de frequentar o harém de mulheres que o acompanhava na campanha da Ásia –, nunca foi ridicularizado. Era um homem grego e seguia os ditames de sua
época e cultura: o amor entre os homens era “mais civilizado” do que aquele com
as mulheres.
Quanto ao homossexualismo feminino, tanto na Grécia
quanto em Roma, sabe-se muito pouco. Mas seguramente não era condenado. Safo, na
Grécia (na ilha de Lesbos), era uma mestra respeitável que se envolvia com suas
alunas. Fez poemas belíssimos a respeito do encantamento amoroso que vivia com
as meninas e não há registro disso ter provocado algum escândalo. Ao
contrário. Tudo indica que ela continuou a ótima educadora que era, casou e teve
filhos.
Em Roma, há registros de festas religiosas exclusivas
para mulheres – dedicadas a Bona Dea,
a Deusa Boa, p.ex. –, onde rolavam alegres orgias. Numa dessas cerimônias, Pompéia,
a segunda mulher de César, introduziu o seu amante masculino e, aí sim, deu
rolo. O jovem Clódio estava disfarçado com roupas femininas, uma das presentes
começou a acariciá-lo, descobriu, e o caso foi considerado um sacrilégio. Isto
é, sacrilégio um homem estar presente numa festa feminina e não as mulheres se
acariciarem, beberem e fazerem tudo mais que acontece numa orgia.
Homossexualismo feminino, afinal, nem era visto como sexo
na Antiguidade greco-romano. Sexo entre mulheres não envolve penetração e isto,
para gregos e romanos, estava fora do que entendiam como sexualidade. Sexo
entre mulheres era, provavelmente, uma outra coisa.
Esta a provável razão da
invisibilidade do homossexualismo feminino em Grécia e Roma. Na arte, por
exemplo, não se encontrou nenhuma representação de cena homossexual feminina.
Nenhuma representação de mulheres se acariciando para ilustrar um cálice ou um jarro. Nem mesmo nas paredes de Pompéia. Apenas os
poemas de Safo.
Como a história da sexualidade na Antiguidade é motivo
de muita discussão, indico as fontes que utilizei para este comentário: SCHMIDT,
Jöel. Júlio César. POA: L&PM,
2006; KING, Helen. Preparando o terreno: sexologia grega e romana. In: PORTER,
R.; e TEICH, M. (orgs.) Conhecimento
sexual, ciência sexual. SP: UNESP, 1998.
Helen King, por sinal, faz uma boa síntese de como o
sexo era pensado na cultura greco-romana: uma relação marcada pela
desigualdade, descrita muitas vezes com imagens de guerra, fuga e captura. O
homossexualismo masculino era visto como normal (especialmente na Grécia do período clássico), desde que ajustado a
parâmetros muito definidos. Nas representações visuais, p.ex., o parceiro
passivo jamais era mostrado com uma ereção. (Não era recomendado que o homem
passivo expressasse prazer.) A penetração era de importância central e os
encontros sexuais eram pensados como uma relação entre penetrador e penetrado.
Por último, as mulheres assumiam o papel de mercadoria preparadas para o
consumo. Mesmo sendo vistas como vorazes do ponto de vista sexual (dispostas a secar a semente dos homens), as mulheres
eram apresentadas como comida para serem desembrulhadas e saboreadas.