segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Os Beatles e o comunismo internacional

Cursei o ginásio em colégio católico, no final dos anos 60. Vivia em Porto Alegre naquele tempo. Um dia, o Irmão José, nosso professor de inglês, viu meus colegas e eu com um disco dos Beatles – o “Sgt. Pepper’s” – e veio nos fazer uma preleção a respeito das “mensagens subliminares” daquelas canções. Estávamos no pátio da escola, aguardando o sino tocar para o início das aulas, e o professor nos deixou de queixo caído.

Segundo ele, os rapazes de Liverpool tinham intenções subversivas em relação aos valores da Civilização Ocidental e, do ponto de vista católico, não eram recomendáveis. O professor não iria confiscar o disco, mas era melhor recolher o material e só nos entregar no final das aulas.
Eu ganhara o disco no último Natal, presente do pai (acho que aquele long-play era o meu, não recordo direito), e não entendera aquela conversa quanto aos Beatles estarem mancomunados com o comunismo internacional e favorecerem a dissolução dos valores cristãos, em especial aqueles relativos à ordem familiar: a autoridade paterna, a castidade dos jovens e coisas assim.
Foi uma conversa que nos deixou de cabelos em pé, a nós, ginasianos que “amavam os Beatles e os Rolling Stones”, mas que não deixavam de ir à missa aos domingos. Nós nos dividíamos quanto a opinião em relação ao “Sgt. Pepper’s”, diferente de tudo quanto escutáramos dos Beatles até então, mas estávamos gostando. Ainda não usávamos a expressão “baita som”, mas devia ser mais ou menos isso que falávamos.
Lembrei disso outro dia, folheando um livro num sebo de Porto Alegre, no qual havia referência a uma publicação norte-americana, de 1964, intitulada Comunismo, hipnotismo e Os Beatles, do pastor David Nobel. Talvez o Irmão José tivesse lido o livro.
Segundo o pastor David Nobel, as canções dos rapazes de Liverpool continham “mensagens subliminares” e eles tinham sido treinados em Moscou com técnicas de hipnotismo... Se a conversa do Irmão José não era essa, era parecida: os Beatles como prováveis agentes do comunismo internacional, atuando no sentido de entorpecer a mente dos jovens e dissuadi-los do bom caminho.
Hoje, isso me parece absurdo, mas era comum naquele final dos anos 60 ver subversão e/ou intenções malévolas no campo das artes. Pais e professores costumavam divagar com essas coisas, mas a maioria de nós (os jovens) nem sempre caímos na conversa.
Coisas daqueles tempos, insisto em afirmar. Mas a atual discussão sobre o que acontece no mundo das artes – a exposição queer no Santander Cultural, a performance com nudez no Museu de Arte Moderna paulista – me indicam que provavelmente estou enganado.

2 comentários:

  1. Basta ver as pessoas na capa do disco e o que elas representaram. Seu professor tinha razão.

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