Para quem gosta de História e museu, A história do mundo em 100 objetos, de
Neil MacGregor (Editora Intrínseca, 2013), é um livro fascinante. O autor é
diretor do Museu Britânico e a obra consiste num calhamaço de 760 páginas, com
fotos e comentários de cem peças do museu, com o propósito de narrar a história
da humanidade desde o Paleolítico até o ano de 2010. Com uma seleção de peças
museológicas preciosas, o autor demonstra que objetos são tão reveladores da História
como são as narrativas escritas – e, em alguns casos, até mais esclarecedoras.
Através de objetos – como um tambor sudanês e um escudo australiano (peças que
o autor escolhe para contar a sua “história das civilizações”) – personagens
anônimos que não citados em texto algum se fazem presentes nos relatos históricos.
O Museu Britânico tem um acervo extraordinário e entre
as peças escolhidas para esse livro encontram-se o famoso Estandarte de Ur (um
mosaico funerário), uma estátua de granito de Ramsés II, um relevo de mármore
do Partenon, a Pedra da Roseta, uma peça cerimonial maia do jogo de pelota, uma
cabeça de pedra de Buda (do templo de Borobodur, em Java) e assim por diante. A
partir de objetos como esses, Neil MacGregor descortina uma “história das
civilizações” – articulando civilizações, sociedades e culturas da África,
Ásia, Europa e Américas – vista a partir de um dos seus centros irradiadores, a
Grã-Bretanha.
Para alguns, a narrativa soará fortemente eurocêntrica,
mas a abordagem é acompanhada por um esforço tão sincero e inteligente do autor
e sua equipe no sentido de integrar as diferentes civilizações, sociedades e culturas
numa história global – uma “história das civilizações”, como o autor se refere
– que a perspectiva europeizante perde a relevância. Na história proposta pelo
autor, as diferentes civilizações – desde o início dos tempos – interagem umas
com as outras por meio do comércio e até mesmo por guerras de conquista e
acabam construindo um amálgama comum.
O autor não ignora as mazelas do colonialismo e
imperialismo europeus (conforme se lê nas abordagens do tambor sudanês e escudo
australiano citados acima, “capturados” por agentes do Império Britânico em
operação no Sudão e Austrália, marechal Horatio Kitchner e capitão James Cook
respectivamente), mas prevalece o entendimento de que existe uma “família
humana”. Para o autor, essa “família humana” não é uma metáfora vazia e, sim, formada
por “toda a humanidade [a qual] tem as mesmas necessidades e preocupações,
medos e esperanças”.
Se o leitor sintonizar com essa abordagem, a leitura
será enriquecedora e saborosa. Afinal, cada peça escolhida encerra diversas
camadas de histórias e descortina aspectos variados da história da humanidade.
A Pedra da Roseta tanto é um documento burocrático da dinastia ptolemaica
(grega) que dominava o Egito no século II a.C., quanto uma peça de disputa
entre franceses e ingleses durante as Guerras Napoleônicos, quanto o documento
fundamental para a descoberta da escrita hieroglífica. E a escultura de Ramsés
II tanto é um objeto do culto religioso do Egito dos faraós quanto a peça que
revelou aos europeus, no início do século XIX, que a grande arte não iniciara
na Grécia, que outras civilizações existiram antes, tão criativas quanto os
antigos helenos.
Como se vê, uma leitura fascinante – a nos convidar a
conhecer o mundo, suas diferentes facetas (civilizações, sociedades e culturas)
e, quem sabe, a também a cruzar o oceano e percorrer as galerias do Museu
Britânico.
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