terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A história do mundo a partir de objetos

Para quem gosta de História e museu, A história do mundo em 100 objetos, de Neil MacGregor (Editora Intrínseca, 2013), é um livro fascinante. O autor é diretor do Museu Britânico e a obra consiste num calhamaço de 760 páginas, com fotos e comentários de cem peças do museu, com o propósito de narrar a história da humanidade desde o Paleolítico até o ano de 2010. Com uma seleção de peças museológicas preciosas, o autor demonstra que objetos são tão reveladores da História como são as narrativas escritas – e, em alguns casos, até mais esclarecedoras. Através de objetos – como um tambor sudanês e um escudo australiano (peças que o autor escolhe para contar a sua “história das civilizações”) – personagens anônimos que não citados em texto algum se fazem presentes nos relatos históricos.


O Museu Britânico tem um acervo extraordinário e entre as peças escolhidas para esse livro encontram-se o famoso Estandarte de Ur (um mosaico funerário), uma estátua de granito de Ramsés II, um relevo de mármore do Partenon, a Pedra da Roseta, uma peça cerimonial maia do jogo de pelota, uma cabeça de pedra de Buda (do templo de Borobodur, em Java) e assim por diante. A partir de objetos como esses, Neil MacGregor descortina uma “história das civilizações” – articulando civilizações, sociedades e culturas da África, Ásia, Europa e Américas – vista a partir de um dos seus centros irradiadores, a Grã-Bretanha.
Para alguns, a narrativa soará fortemente eurocêntrica, mas a abordagem é acompanhada por um esforço tão sincero e inteligente do autor e sua equipe no sentido de integrar as diferentes civilizações, sociedades e culturas numa história global – uma “história das civilizações”, como o autor se refere – que a perspectiva europeizante perde a relevância. Na história proposta pelo autor, as diferentes civilizações – desde o início dos tempos – interagem umas com as outras por meio do comércio e até mesmo por guerras de conquista e acabam construindo um amálgama comum.
O autor não ignora as mazelas do colonialismo e imperialismo europeus (conforme se lê nas abordagens do tambor sudanês e escudo australiano citados acima, “capturados” por agentes do Império Britânico em operação no Sudão e Austrália, marechal Horatio Kitchner e capitão James Cook respectivamente), mas prevalece o entendimento de que existe uma “família humana”. Para o autor, essa “família humana” não é uma metáfora vazia e, sim, formada por “toda a humanidade [a qual] tem as mesmas necessidades e preocupações, medos e esperanças”.
Se o leitor sintonizar com essa abordagem, a leitura será enriquecedora e saborosa. Afinal, cada peça escolhida encerra diversas camadas de histórias e descortina aspectos variados da história da humanidade. A Pedra da Roseta tanto é um documento burocrático da dinastia ptolemaica (grega) que dominava o Egito no século II a.C., quanto uma peça de disputa entre franceses e ingleses durante as Guerras Napoleônicos, quanto o documento fundamental para a descoberta da escrita hieroglífica. E a escultura de Ramsés II tanto é um objeto do culto religioso do Egito dos faraós quanto a peça que revelou aos europeus, no início do século XIX, que a grande arte não iniciara na Grécia, que outras civilizações existiram antes, tão criativas quanto os antigos helenos.
Como se vê, uma leitura fascinante – a nos convidar a conhecer o mundo, suas diferentes facetas (civilizações, sociedades e culturas) e, quem sabe, a também a cruzar o oceano e percorrer as galerias do Museu Britânico.

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